“Espero que o PS não levante linhas vermelhas intransponíveis no código laboral”

Depois de semanas de discussão pública, Maria do Rosário Palma Ramalho vai ouvir esta semana os parceiros sociais. Todas as medidas são negociáveis, e espera que o PS não defina linhas vermelhas.
A discussão do projeto de revisão do Código Laboral, e de mais outros oito diplomas nestas áreas, entra esta semana numa fase decisiva. Maria do Rosário Palma Ramalho vai à Concertação Social já no dia 10 desta semana para ouvir os parceiros sociais, e depois o processo terá também a discussão parlamentar. Em entrevista exclusiva ao ECO, defende a necessidade de mudanças laborais, e propõe mais de 100 neste projeto. Dá prioridade ao aumento do salário médio, e quer mudanças porque a legislação laboral, apesar do código já ser de 2003, “ainda assenta no paradigma do trabalho de ‘chão de fábrica‘”. Aposta numa negociação com o PS, mas deixa já um aviso aos socialistas: “Espero que o PS não levante linhas vermelhas intransponíveis. Se o fizer, depois não nos podem censurar por negociarmos com outros, porque isso poderá suceder“.
Apresentou uma proposta de revisão do Código do Trabalho, mais de 100 alterações, num mercado de trabalho estável, e com um nível de desemprego em 5,8% em fevereiro. Qual é a razão, então, para avançar com uma reforma laboral?A nossa convicção é a de que as reformas estruturais devem ser pensadas, justamente porque são estruturais, refletidas, em contextos que não sejam de crise. Se temos uma crise, só pensamos em acudir a ela, não temos a reflexão necessária e o pousio que se impõe a estas reformas para construir soluções estruturais. Este é o momento em que Portugal está com o desemprego baixo e salários a crescer — em 2024 invertemos o achatamento entre o salário médio e o mínimo pela primeira vez em muitos anos. Este é o momento para pensar uma reforma como esta, mas também porque esta reforma corresponde ao cumprimento de uma das medidas do Acordo de Valorização Salarial e Crescimento Económico que assinamos com os parceiros sociais. Este Governo tem ímpeto reformista desde o dia um…
Arranca esta segunda legislatura, que tem outras condições políticas, com esta proposta de reforma laboral. Há um traço comum, maior flexibilidade, maior autonomia, talvez, dos empregadores e dos trabalhadores. A economia portuguesa e a legislação laboral precisam de maior flexibilidade?Nós entendemos que sim, os parceiros sociais dizem-nos que sim, incluindo a UGT, que também já nos disse que sim… Nós estamos há um ano e meio a dialogar com os parceiros sociais, isto é numa fase inicial, mas este Governo, como bem sabemos, enfim, com uma dilação daqueles três meses, aquela interrupção, é na verdade um governo de continuidade… Portanto, não se pode dizer que estamos nos primeiros dias, estamos formalmente nos primeiros dias deste governo, mas não estamos nos primeiros dias de governação. E, de facto, exige-se que haja medidas de flexibilização do regime…
Porquê? Comparamos mal com outras economias?Exatamente. Comparamos mal, porque Portugal está a 75% do valor médio da competitividade dos países europeus. Só isso já é uma nota que justificaria uma reforma. O valor dos nossos salários é baixo, naturalmente do salário mínimo, mas esse é mínimo, mas também é baixo ao nível do salário médio. Aí também concorremos muito mal. Isso leva a que os jovens, o que a todos os títulos não seria desejável, e não só por razões laborais, mas também por razões de natalidade, por razões de segurança social.
O salário médio é o principal problema ou é o salário mínimo?Do ponto de vista de política de rendimentos, sem dúvida o salário médio. O salário mínimo corresponde sempre a uma necessidade social. Há pessoas que não são favoráveis ao estabelecimento do salário mínimo. Eu, por acaso, sou, sou favorável. O salário mínimo é muito importante porque temos que garantir condições de vida condignas às pessoas. Mas o que aconteceu no passado, nomeadamente nos anos do Governo socialista, é que o investimento foi todo feito no salário mínimo…
…O ponto de partida era muito baixo em 2015.É verdade, é verdade, mas há um número, apesar de tudo, relevante de trabalhadores que ganham o salário mínimo. E se todas as fichas, digamos assim, são colocadas no salário mínimo, chegamos ao resultado que tínhamos. E é o salário médio, é a classe média que faz o país crescer, que aumenta o consumo e, portanto, que promove a economia.

Há um conjunto de balas, todas elas são de prata. Há, obviamente, também, fora do domínio laboral, incentivos fiscais, apoio às empresas, diminuição de custos de contexto. O Governo está apostado numa atuação multidisciplinar. Isto dito, a importância da legislação laboral é enorme. Porque a nossa legislação laboral, apesar do nosso código de trabalho já ser de 2003, na verdade a nossa legislação laboral ainda assenta no paradigma do trabalho de ‘chão de fábrica’, quando nós temos poucas fábricas. Ainda trata todas as empresas como iguais, esquecendo que mais de 90% são microempresas, e, portanto, as exigências que lhes coloca são excessivas. A posição dessas empresas não tem nada a ver com as grandes… Ainda dá poderes excessivos à Autoridade para as Condições de Trabalho, de intromissão… Ainda confia pouco na contratação coletiva, o que, aliás, é muito injusto, porque as associações sindicais são perfeitamente maiores de idade e, portanto, deviam ser mais livres para decidir, em acordo com os empregadores e com as associações patronais, em certo caso até diminuir a proteção para prosseguir um objetivo maior.
O tema da amamentação tornou-se o “elefante na sala” deste plano de reforma laboral. Fez sentido trazê-lo ao debate?A nossa medida não é sobre amamentação, é sobre a justificação ou não de, aos dois anos da criança — altura em que, se calhar, já não é apenas amamentada —, manter, pagas pelo empregador, duas horas de dispensa, o que corresponde a um dia de trabalho por semana (oito horas), um mês por ano, pago pelo empregador. O direito à amamentação não é questionável. O que se coloca é saber se justifica impor aos empregadores, após um tempo que — mesmo com estes dois anos — é o mais favorável da Europa, essa dispensa.
Fiquei muito triste com o modo como foi tratado, nas redes sociais, sem olhar ao que estava em causa. Não é pretensão deste Governo interferir com o direito das mães a amamentarem os filhos — de modo algum. Não é pretensão desta ministra, que, durante 30 anos, trabalhou igualdade e conciliação trabalho/família, em Portugal, na Comissão Europeia, na OIT, noutros fóruns. A nossa medida não é sobre amamentação, é sobre a justificação ou não de, aos dois anos da criança — altura em que, se calhar, já não é apenas amamentada —, manter, pagas pelo empregador, duas horas de dispensa, o que corresponde a um dia de trabalho por semana (oito horas), um mês por ano, pago pelo empregador. O direito à amamentação não é questionável. O que se coloca é saber se justifica impor aos empregadores, após um tempo que — mesmo com estes dois anos — é o mais favorável da Europa, essa dispensa.
Também é a indicação da OMS……para a amamentação — e bem. As mães podem continuar a amamentar de manhã e à noite, fora de horas. A questão é: justifica-se que uma trabalhadora ganhe 100% e trabalhe 75% até aos dois anos? E que, para isso, o empregador tenha de ajustar equipas, colegas que não amamentam também tenham de se acomodar, e suportar esse custo? Nunca discutimos o direito — discutimos a dispensa paga.
Mas faltaram números?Temos números, e política pública não vive só de números — há avaliação. Os dados decorrem de informação das empresas, de processos na CITE e de posições do presidente da CIP e da União das Misericórdias.
A ACT disse que não tinha números.A ACT não tem competência nesta matéria — não aplica coimas a trabalhadores, só a empregadores.
Este tema contaminou o debate?Contaminou, mas julgo que não prejudica o essencial. Houve pouca atenção a outras medidas de parentalidade, como o aumento da licença parental inicial paga a 100% até 6 meses — só isso é um investimento do Estado que ultrapassa € 220 milhões — e o reforço da presença do pai, com 14 dias iniciais obrigatórios junto da mãe e do bebé.
Sentiu-se politicamente incompreendida?Não temos de ser compreendidos ou deixar de o ser. Mas — sim — para aplicar e convencer ajuda ser compreendido. Agora segue-se outra fase: Concertação Social com um texto em cima da mesa — não princípios soltos que, depois, não têm nada a ver com as normas finais —, e depois Parlamento. É a via transparente: sujeitar um projeto amplo a escrutínio público, negociar e legislar.
A CGTP marcou manifestação. A UGT tem sido crítica de algumas normas. Como espera fechar um acordo na Concertação? Onde está a sua margem?A minha margem está em todas as normas que estão aqui. Primeiro, porque estão em projeto; segundo, porque são propostas com base em muito conhecimento e muitos contributos dos parceiros. Tivemos muitas reuniões e, ao longo desta semana passada, reunimos com todos.
A margem negocial está em todas as normas, mas qual é a linha?Temos uma linha condutora: Os quatro pilares que referi — flexibilidade/produtividade, valorização dos trabalhadores, serviços mínimos na greve e contratação coletiva. Aceitaremos propostas construtivas. O que não faremos é comprar consensos agora para criar conflitos depois ou “passar” à força na Concertação só para garantir aprovação no Parlamento.
As associações sindicais são representativas, ou tão representativas, dos trabalhadores como se pressente da relação das associações patronais com as associações setoriais que representam?Os números que temos apontam para uma maior representatividade das associações patronais do que das associações sindicais. Mas as associações sindicais são verdadeiramente um parceiro incontornável. E, portanto, temos todos, e o legislador também, uma obrigação de as fortalecer.
Os números que temos apontam para uma maior representatividade das associações patronais do que das associações sindicais. Mas as associações sindicais são verdadeiramente um parceiro incontornável. E, portanto, temos todos, e o legislador também, uma obrigação de as fortalecer.
No Parlamento, quem pode ser o parceiro para aprovar estas mudanças?Todos. Espero que o PS não levante linhas vermelhas intransponíveis. Se o fizer, depois não nos podem censurar por negociarmos com outros, porque isso poderá suceder.
A medida do sucesso da sua gestão é a aprovação parlamentar desta lei laboral?Não sou eu que posso dizer qual é a medida do meu sucesso — está em causa o Governo, não a ministra. Estou aqui em missão para dar o meu melhor, como já estive anteriormente. A medida do sucesso… o futuro dirá — não eu.
Vai rever a meta do salário mínimo no quadro desta discussão para o ano de 2026?Há um acordo em vigor. O programa elevou a meta para 1.100 euros no fim da legislatura. É prematuro fixar o momento; teremos de olhar para os números para não ficar um salto de 100 euros no último ano. Pode ser mais adequado diluir ao longo da legislatura — não está necessariamente ligado a esta proposta.
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